Por Henrique Maynart
“Não repara naquilo que te falei ontem. Bebi demais, sabe como é, aquilo não é bem verdade...” Quem nunca recebeu esta ligação, torpedo, SMS ou pombo correio a qualquer hora do dia seguinte, seja ele qual for? Apois bem, sinto em lhe informar meu célebre amiguinho, coleguinha ou o raio que o parta, mas esta constatação não procede mas nem lascando a testa do mais distinto sóbrio da cidade, nem fudendo que a culpa é da cachaça. Digito estas sílabas na alcunha de roedor de bar e poeta menor de Facebook, de notívago desavergonhado de meus amores mais tronchos, dos causos espinhosos que acumulo no auge dos meus vinte e tantos anos de vida normal.
Pra começo de conversa: Não, não risco estas palavras sob efeito do álcool ou de qualquer composto alucinógeno. As únicas substâncias psicoativas que faço uso neste momento se restringem à nicotina de três ou quatro cigarros, pra esquivar do tédio e do sono que pesa nas pálpebras. Quem quiser retrucar fique a vontade, não sob este argumento. O que ocorre é que neste mundinho sacana, na pior acepção do termo, há pouco ou nenhum espaço para as verdades exclamadas do corpo quando nos encontramos desarmados por completo, quando nos desfazemos das armaduras do ofício, do uniforme de nossos papeis no decorrer da vida. Quando nos vemos bêbados, chapados, estamos desarmados em geral, resguardadas as devidas exceções, e falamos o que dá na telha, nos nervos e na língua. Fazemos muita cagada e acumulamos caralhadas de cocó, verdade seja dita, mas mentir a gente não mente não.
Não escrevo estas parcas silabas no intuito de fazer apologia ao consumo excessivo de álcool ou de qualquer substância alucinógena, lícita ou não. O alcoolismo e os casos crônicos de drogadição são imbróglios sociais muito delicados e complexos, não podemos perder a seriedade de vista. A pretensão aqui é de recuperar o elogio ao torpor que tanto nos falta nestes dias instrumentalizados e frios, desprovidos de humanidade em nossos cumprimentos gélidos. Entre a sobriedade e a ebriedade, para acabar de vez com esta falsa polarização, a melhor escolha é uma relação consciente e saudável com o ato de entorpecer, fazendo ou não uso de qualquer sustância. Os apaixonados perambulam por qualquer lugar no passo trôpego de trinta copos de cachaça chacoalhando no talo, não é verdade? Os trinta copos de cachaça da paixão, avassaladores, ninguém há de negar. Na meninice de outras épocas, a gente não rodava, rodava, até dar de bunda no chão, risonho e besta? A batida do tambor de roda, a grande maioria dos ritos religiosos, em todos estes casos a alteração do estado de consciência está presente, então guardemos na gaveta a falsa preocupação dos moralistas, tudo isso é torpor e ele existe desde que a humanidade se deu por gente.
Voltando a falar no bendito, quando o torpor entra na gente sem pedir licença o corpo se desarma, toma fôlego e abre o berreiro da vergonha alheia, da sua e da nossa. A carência chega junto, a saudade arrebata, escancarando a porteira da breguiçe que reside em algum canto escondido da gente. Torpor e repressão se combatem por essência, é aí que o bicho pega. Se aparece alguém interessante na outra mesa você dá um jeito de chamar a atenção, de chegar junto ou de despachar aquele SMS de guardanapo, geralmente inelegível e manchado de alguma coisa, sob a responsabilidade do melhor pombo correio da face da terra: O garçom. Se você não suporta aquele conhecido enfadonho, que brotou da terra sabe-se lá caralho como, você enche a boca de ofensa e o manda tomar no meio do seu elegante rabo, quando da próxima piadinha insossa que ele vier a soltar na mesa.
Telefone? Ai meu paradigma, nem encomendando oração pra Nossa Senhora da Luta de Classes que a gente se salva de cocó. A gente liga, manda mensagem, se estropia nas palavras e tropeça nas confissões. E digo mais, é lindo, é real. A gente recorre ao afago dos amigos e aos versos do finado Wando (visitarei seus ensinamentos em muitas fossas da vida, este texto é pra você) a gente se lasca e mal consegue pagar a conta no final da noite. Minha irmã me entope de palavrão até hoje por estourar os créditos dela com um antigo desafeto, nos idos de alguns anos atrás, bêbado escorado no banheiro do Casquinha, sem pai nem mãe nem vergonha. Isso, se papoquem de rir as duas, cocó pouca é bobagem. Eis que chega a hora de postar alguma coisa nas redes sociais, pai do céu. Recorro ao mesmo post pro facebook nestas horas, decifrável apenas a quem lhe apeteça. O twitter é mais complicado, nenhum moribundo consegue a façanha de acompanhar o desembesto daquela joça e resumir seus desígnios em 140 caracteres, não que eu conheça. Quem acompanha ou segue as proezas ébrias goza de uma vida repleta de gargalhadas, quem sofre mesmo é a gramática.
Portanto, se você receber aquela bendita ligação no meio da madrugada, ouvir aquela voz falha, soluçando carinho e arrotando borbulhas de amor, se você receber esta ligação não custe a acreditar, é a mais pura verdade. Se ele negar no outro dia o problema é dele, o que está dito não se arranca da memória, se negar não passa de uma criatura vil e covarde. A vida é dura e não cabe vacilo, sobretudo nos suspiros. Abstraia as cantadas de pedreiro e o riso sacana dos amigos ao fundo da ligação, a figura está na sua e não abre. Deleuze já preconizava que o amor é essa coisa meio demente, todos nós abarcamos alguma dose de demência e a vergonha não pode ficar no caminho. Quando aquilo que lateja no peito é maior que qualquer canto do mundo só o torpor há de salvar. Bêbados, falam merda, fazem merda às pencas, mas sinceridade nunca nos faltará.
É por aí mesmo...
ResponderExcluirHahahaha adorei o texto.
ResponderExcluirMas essa coisa do que se faz/fala bêbado é culpa da cachaça não é mesmo!
Mas ainda acho que ás vezes podemos nos arrepender de alguma coisa dita e tal, apenas no calor da noite.
Bons textos preto! Gostei :)
Isso, isso, isso.
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